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"Ó Abre-alas": docente do curso de música fala sobre a tradição das marchinhas de Carnaval

por Angela Rodrigues publicado 01/03/2020 05h00, última modificação 01/03/2020 20h18


Quem liga a TV e acompanha os sambas-enredo das escolas de samba não faz ideia de que, no início do século passado, o que empurrava os foliões para as ruas eram as tradicionais marchinhas carnavalescas. "Ó Abre Alas" e "Mamãe Eu Quero" são alguns exemplos das canções consideradas sucesso absoluto no nosso carnaval. Evento que, na origem, é um festival do cristianismo ocidental que ocorre antes da estação litúrgica da Quaresma.

Para entender melhor a origem, o auge e o declínio das marchinhas de Carnaval, a equipe do Acontece Unimep conversou com o professor do curso de licenciatura em música da Unimep, Ronaldo do Prado Lima (imagem ao lado). Acompanhe os melhores trechos de entrevista:

Acontece Unimep – Como surgiram as marchinhas de Carnaval no Brasil?
Ronaldo do Prado Lima - As marchinhas surgiram no Rio de Janeiro, tendo seu auge entre os anos 1920 e 1960. A primeira marchinha “Ó Abre Alas” foi composta por Chiquinha Gonzaga (1847-1935), em 1899, para animar o cordão carnavalesco Rosas de Ouro. As machinhas brasileiras descendem diretamente das marchas populares portuguesas, partilhando com elas algumas características como, por exemplo, o compasso binário e cadência militar. As marchas portuguesas faziam grande sucesso no Brasil até 1920, destacando-se Vassourinha, em 1912, e A Baratinha, em 1917.  

No Brasil, as marchinhas ganharam um ritmo mais acelerado, melodias mais simples e letras cheias de malícia. As marchinhas mais famosas surgiram no Rio de Janeiro onde residiram os maiores compositores e cantores da época, como Eduardo Souto, Freire Júnior e Sinhô. Foi predominante no carnaval carioca dos anos 1920 aos anos 1950, sendo gradativamente substituídas pelo samba-enredo a partir do surgimento das escolas de samba.

Acontece Unimep – Algumas marchinhas têm mais de 100 anos e ainda são lembradas. Qual o motivo do sucesso?
Ronaldo - Apesar do aparecimento de outras culturas carnavalescas que acabaram por substituir as marchinhas, estas nunca estiveram fora do carnaval. Durante um bom período em que as festas de rua dos blocos e cordões se enfraqueceram, as marchinhas se consolidaram como música típica das festas carnavalescas de salão, mantendo sempre o tom saudosista das origens do carnaval brasileiro. Além disso, após o auge nos anos 1950, muitos intérpretes famosos regravaram marchinhas, o que também ajudou a manter viva a tradição, ainda que enfraquecida e com a quase ausência de novas composições a partir dos anos 1960.

Acontece Unimep – Por que ocorreu esse declínio na composição de novas marchinhas?
Ronaldo - As marchinhas tiveram seu auge entre os anos de 1920 e 1950. Só no ano de 1952, por exemplo, foram compostas mais de 400 músicas. Após esse período, alguns compositores famosos como Chico Buarque se arriscaram a escrever marchinhas como a canção “A Banda”, de 1966, mas esse movimento foi incipiente, com pouca força. As marchinhas acabaram sendo substituídas por outros gêneros como o samba-enredo, e se conseguiu mantê-las apenas como arte saudosista, algo que representa uma época do desenvolvimento do carnaval brasileiro. Creio que essa imagem e esse valor dado às marchinhas acabaram influenciando bastante para o não surgimento de novas músicas.

Acontece Unimep – É possível que as marchinhas caiam novamente no gosto popular?
Ronaldo - Creio que as marchinhas nunca saíram do gosto popular. Elas perderam a força, perderam o status como música oficial do carnaval nos anos 1950, mas mantiveram-se dentro do carnaval. Com o crescimento das festas de salão e o esvaziamento dos carnavais de rua, nos anos 1970, as marchinhas lograram manter-se dentro dos bailes carnavalescos dos grandes clubes, como parte importante de seu repertório, sempre como representante específico de uma época. Com a explosão dos blocos e carnavais de rua, principalmente nos últimos 10 anos, as marchinhas ganharam novo fôlego, atingindo as novas gerações a partir de um saudosismo maior dos antigos carnavais de rua.

 

Entrevista: Serjey Martins
Fotos: capa: banco de imagens Llanydd Lloyd (Unplash) e interna: acervo pessoal prof. Ronaldo do Prado Lima
Última atualização: 21/02/2020