Prof. e doutor em psicolinguística afirma que é preciso dizer ‘não’ em todas as relações humanas significativas
A arte de dizer não para os filhos, companheiros e colegas de trabalho é essencial. De acordo com o professor português Joaquim Maria Quintino Aires, que esteve na Unimep em 2016, para ministrar palestra sobre neuropsicologia e cidadania, “dizer não ajuda a criança a crescer de forma consciente e trava os abusos tão próprios da nossa biologia e tão necessários de erradicar nas relações humanas adultas”. Quintino Aires, que também é doutor em psicolinguística pela Universidade Nova de Lisboa e psicólogo clínico, refletiu sobre esse e outros assuntos em entrevista exclusiva concedida ao Acontece Unimep. Confira os melhores trechos:
Acontece Unimep – Quais são os principais desafios da neuropsicologia nesse século 21?
Quintino Aires – A sociedade exige hoje de cada pessoa maior autonomia e capacidade para organizar planejando a própria vida. Assumir responsabilidades, flexibilidade e empreendedorismo no trabalho, capacidade de muitas aprendizagens, envolvimento em relações amorosas muito diferentes que exigem a cada um a capacidade para se conhecer e fazer o próprio caminho, associado a maior arte na educação dos próprios filhos. Estas habilidades requerem de forma muito significativa a região anterior do lobo cerebral frontal e não podem ser deixadas ao acaso de histórias de vida “com sorte”. A estruturação desta região depende quase totalmente das histórias pessoais, e a neuropsicologia acompanha este desenvolvimento para assegurar de forma mais democrática o desenvolvimento das populações.
Acontece Unimep– Quais são as necessidades das pessoas que podem ser transformadas por meio da neuropsicologia?
Quintino Aires – A mais marcada é a capacidade de se comprometer de forma responsável. Mesmo em tempo de crise econômica, como a vivemos recentemente em Portugal, com taxas elevadíssimas de desemprego entre os jovens, 30% das vagas de trabalho para licenciados não são ocupadas porque muitos jovens licenciados não aceitam assumir o mínimo de responsabilidade. Estes dados oficiais são preocupantes… A segunda é certamente o treino na assertividade e competências comunicacionais de modo a promover a dinâmica conjugal. Hoje, as pessoas não mostram desenvolvimento suficiente quer na assertividade quer na comunicação, por imaturidade do lobo cerebral frontal, comprometendo o casamento e muitas vezes, também, o futuro dos filhos. E em terceiro, mas não menos importante, a marca principal da cultura ocidental pode resumir-se na frase “ama o teu próximo como a ti mesmo”. Mas para isso falta melhorar muito na capacidade de descentração e reduzir o egoísmo, o que só é possível por estimulação do já aqui, várias vezes, referido lobo cerebral frontal.
Acontece Unimep – Pode citar algumas situações em que é preciso dizer não?
Quintino Aires – Em praticamente todas as relações humanas significativas. Na educação dos filhos desde pequenos. Precisamos resgatar muita da exigência antiga sem perdermos a afetividade. Para bem-fazer este trabalho, os pais precisam aprender a dizer não. Na relação entre pares, por exemplo, na escola, o Não é fundamental para reduzir o bullying e, nas relações amorosas, a violência doméstica. No trabalho, para evitar os abusos de colegas e de chefes. E mesmo nas compras, para que não nos induzam a comprar o que não queremos. O Não está na base das relações humanas. O Não ajuda a criança a crescer de forma consciente e trava os abusos tão próprios da nossa biologia e tão necessários de erradicar nas relações humanas adultas.
Entrevista e texto: Angela Rodrigues
Edição: Celiana Perina
Fotos: divulgação
Última atualização: 20/03/2017